A direita entrou num túnel sem luz ao fundo
«Sabem como é que a direita poderá ganhar as próximas eleições? De maneira nenhuma. Rui Rio vai perder. Mas se lá estivesse Pedro Passos Coelho, perderia também. A derrota é inevitável face à estratégia que António Costa e Mário Centeno montaram nos últimos anos. Eles governaram suficientemente à esquerda para que a esquerda não se sentisse traída com as brutais cativações; e governaram suficientemente à direita para que a direita mais centrista não fugisse a sete pés. Como Portugal, neste momento, não aspira a muito mais do que a ausência de uma tragédia e a pequenos ganhos incrementais, o que aí está não entusiasma ninguém, mas assegura os mínimos.
Com o vento do crescimento pelas costas e uma indiscutível preocupação em cumprir as metas de Bruxelas, o Governo de António Costa governou com a competência necessária para que o país prefira o original à cópia laranja. Como se viu pela abstenção e pelo resultado poucochinho, a onda rosa não existe, o PS continua a ter os péssimos hábitos de quem se julga dono disto tudo (veja-se o caso Familygate) e a bancarrota socrática deixou marcas profundas. Ninguém acredita numa maioria absoluta. Mas os portugueses são pragmáticos, olham à volta e não vêem ninguém melhor em quem votar. Eu compreendo-os. Após a crise dos professores, o socialismo costista apareceu como um dois em um, simultaneamente capaz de devolver rendimentos na medida das possibilidades do país e não ceder às reivindicações demasiado despesistas. Ao darem o braço à esquerda radical, Rio e Assunção entregaram de bandeja a Costa o único trunfo que tinham do seu lado. Os resultados destas eleições são também consequência de um dos mais estapafúrdios hara-kiris da política portuguesa.
Mas, se o hara-kiri não tivesse existido, o PS teria ganho na mesma. O erro dos professores não surge por acaso — ele nasce do desespero e da consciência de não existirem votos suficientes à direita para que esta possa chegar ao poder sem que o diabo venha. A única coisa que essa crise fez foi agravar a desorientação de dois partidos manietados por um quebra-cabeças sem solução: aquilo que a direita pode propor de diferente não chega para ganhar; e se a direita propuser o mesmo que os outros não se diferencia deles e trai o seu passado. É um dilema e peras, e nesse sentido talvez convenha ser um pouco mais compreensivo em relação a Rui Rio — os seus erros são imensos, mas a sua tarefa é, neste contexto, colossal.
Apesar de a esquerda ter tido mais de dois terços dos votos nestas eleições, não acredito que a oposição interna do PSD desate outra vez aos gritos, propondo a substituição de Rio. Algum veneno será destilado, com certeza, mas não em demasia, porque ninguém deseja que Rio morra já. E a razão para esta aparente compaixão é aquela que acabei de referir: Rui Rio tem neste momento um dos piores empregos de Portugal, e a sua caminhada até Outubro vai assemelhar-se à do condenado à morte em direcção ao patíbulo. Ele é um dead man walking.
A direita cometeu — e continua a cometer — um erro tremendo: não percebeu que a dupla Costa/Centeno era muito melhor do que ela pensava, e que aquilo que aconteceu ao longo destes quatro anos não foi apenas um golpe de sorte ou uma conjuntura internacional favorável. Foi uma estratégia gizada com brilhantismo, que ofereceu ao PS o monopólio do centro político português, enquanto o PSD se entretinha a lamber as feridas de 2015. O resultado está à vista.»
(João Miguel Tavares, Opinião, in Público, em 28 Maio 2019 às 06:02) «Sabem como é que a direita poderá ganhar as próximas eleições? De maneira nenhuma. Rui Rio vai perder. Mas se lá estivesse Pedro Passos Coelho, perderia também. A derrota é inevitável face à estratégia que António Costa e Mário Centeno montaram nos últimos anos. Eles governaram suficientemente à esquerda para que a esquerda não se sentisse traída com as brutais cativações; e governaram suficientemente à direita para que a direita mais centrista não fugisse a sete pés. Como Portugal, neste momento, não aspira a muito mais do que a ausência de uma tragédia e a pequenos ganhos incrementais, o que aí está não entusiasma ninguém, mas assegura os mínimos.
Com o vento do crescimento pelas costas e uma indiscutível preocupação em cumprir as metas de Bruxelas, o Governo de António Costa governou com a competência necessária para que o país prefira o original à cópia laranja. Como se viu pela abstenção e pelo resultado poucochinho, a onda rosa não existe, o PS continua a ter os péssimos hábitos de quem se julga dono disto tudo (veja-se o caso Familygate) e a bancarrota socrática deixou marcas profundas. Ninguém acredita numa maioria absoluta. Mas os portugueses são pragmáticos, olham à volta e não vêem ninguém melhor em quem votar. Eu compreendo-os. Após a crise dos professores, o socialismo costista apareceu como um dois em um, simultaneamente capaz de devolver rendimentos na medida das possibilidades do país e não ceder às reivindicações demasiado despesistas. Ao darem o braço à esquerda radical, Rio e Assunção entregaram de bandeja a Costa o único trunfo que tinham do seu lado. Os resultados destas eleições são também consequência de um dos mais estapafúrdios hara-kiris da política portuguesa.
Mas, se o hara-kiri não tivesse existido, o PS teria ganho na mesma. O erro dos professores não surge por acaso — ele nasce do desespero e da consciência de não existirem votos suficientes à direita para que esta possa chegar ao poder sem que o diabo venha. A única coisa que essa crise fez foi agravar a desorientação de dois partidos manietados por um quebra-cabeças sem solução: aquilo que a direita pode propor de diferente não chega para ganhar; e se a direita propuser o mesmo que os outros não se diferencia deles e trai o seu passado. É um dilema e peras, e nesse sentido talvez convenha ser um pouco mais compreensivo em relação a Rui Rio — os seus erros são imensos, mas a sua tarefa é, neste contexto, colossal.
Apesar de a esquerda ter tido mais de dois terços dos votos nestas eleições, não acredito que a oposição interna do PSD desate outra vez aos gritos, propondo a substituição de Rio. Algum veneno será destilado, com certeza, mas não em demasia, porque ninguém deseja que Rio morra já. E a razão para esta aparente compaixão é aquela que acabei de referir: Rui Rio tem neste momento um dos piores empregos de Portugal, e a sua caminhada até Outubro vai assemelhar-se à do condenado à morte em direcção ao patíbulo. Ele é um dead man walking.
A direita cometeu — e continua a cometer — um erro tremendo: não percebeu que a dupla Costa/Centeno era muito melhor do que ela pensava, e que aquilo que aconteceu ao longo destes quatro anos não foi apenas um golpe de sorte ou uma conjuntura internacional favorável. Foi uma estratégia gizada com brilhantismo, que ofereceu ao PS o monopólio do centro político português, enquanto o PSD se entretinha a lamber as feridas de 2015. O resultado está à vista.»
Contrariamente à minha quase habitual discordância da análise política de João Miguel Tavares, considero o texto que ontem fez publicar, uma excelente perspectiva sobre a catástrofe que no domingo passado se abateu sobre a Direita que temos. Aguardarei com natural expectativa um eventual trabalho que venha a publicar, agora centrado o compasso nos outros dois partidos da Esquerda que sustentam a geringonça e desenhando um círculo correspondente ao que nos mostrou agora.
Mas confesso que vejo o mesmo quadro que JMT descreve para a Direita, apenas com duas ligeiras diferenças: a primeira, de lhe acentuar os tons escuros, na minha óptica mais carregados ainda; a segunda, de colocar ao lado da sua feliz tirada de "dead man walking" e de braço dado com ele, uma "dead woman walking", caminhando ambos, fatalmente, para o mesmo destino...
E com Outubro já tão perto!...
Até breve
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