Viriato Teles é meu amigo! Filho da terra que me recebeu e que hoje é quase tanto sua como minha. Usa há muito tempo uma estrela na boina "che" da sua juventude, provavelmente com muito mais coragem que aquela que consegui exigir de mim. Chamo-lhe "mestre", com a coragem que sempre me faltou para exibir a "sua estrela"! Porque sabe o quanto eu gostaria de saber e escreve como eu gostaria de escrever. Continua fiel à sua estrela! Sempre! Eu afastei-me e apenas comungo com ele o sumo, porque fui deitando fora as cascas, que não consegui mastigar e muito menos engolir. Ele plana numa altitude diferente e não liga às cascas. Admiro-o e faço o que posso para lhe beber as ideias e o pensamento...
Poderia "linkar" o último escrito que dele me chegou. Mas não era mesma coisa. Seria uma pequena traição. Bem basta nunca ter tido a sua coragem de exibir a sua estrela. Um grande abraço amigo e continuo à espera de tomarmos, finalmente, um café juntos. E recuperarmos tantos anos! Na nossa terra...
O lindo estado da reforma do Estado
Já tresanda, o discurso do momento na comunicação social mais ordeira, sobre a «falência das contas públicas», como justificativo para todas as malfeitorias que o governo tem vindo e promete continuar a praticar sobre os portugueses em geral e os funcionários públicos em particular – uma vez mais, como tantas outras ao longo da história, apresentados como a encarnação viva do demo, a cuja «improdutividade» se devem todos os infortúnios do País.
Desta vez calhou-me em desdita uma prosa de Bruno Proença, ao que sei um jovem e ladino director-executivo do Diário Económico, do passado dia 30 de Julho: «Quer mais erros, mais impostos ou mudar o Estado?», interroga-se o articulista, antes de remeter para o relatório do Tribunal de Contas, onde se conclui agora o que qualquer português de inteligência mediana já percebeu há muito tempo: que «os contribuintes estão hoje a pagar os erros de política orçamental do passado» e que «Portugal chegou à pré-falência e teve que recorrer à ‘troika' por uma sucessão de asneiras políticas cometidas por diferentes governos».
Pura verdade. Escreve Bruno Proença: «O documento do Tribunal de Contas permite perceber que estamos hoje a pagar a miopia dos ministros das Finanças, quando decidiram passar os fundos de pensões de várias empresas – CTT, ANA, NAV, CGD, PT e BPN – para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) para garantirem as metas orçamentais. Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix e Vítor Gaspar, quando estiveram no Terreiro do Paço, usaram esta receita extraordinária para safarem a execução orçamental mas provocaram um buraco nas contas públicas no futuro.»
E acrescenta, um pouco mais adiante: «Estes políticos cometeram dois pecados capitais. Por um lado, pensaram apenas no curto prazo e em "salvar" a sua imagem política por mais uns meses. No longo prazo, logo se vê. O resultado está à vista: os contribuintes estão hoje afogados em impostos para resolver problemas do passado. Por outro lado, não foram capazes de falar verdade aos portugueses. As receitas extraordinárias apenas servem para maquilhar os desequilíbrios orçamentais. É uma estratégia pouco transparente que não resolve nada. Para isso, são necessárias medidas estruturais, que mudem o paradigma da Administração Pública.»
Ora e em que devem consistir tais «medidas estruturais»? Gente de bem pensaria numa reorganização profunda dos meios humanos e materiais do Estado, de modo a (re)colocá-los ao serviço da comunidade a que pertencem. Mas o governo, perante uma árvore onde um galho se quebrou, acha que resolve o problema deitando abaixo a árvore. Bruno Proença aplaude e dá como (bons) exemplos «o novo regime de mobilidade [leia-se: de facilitação dos despedimentos] e a passagem do horário no Estado para 40 horas semanais», que entende serem «medidas que dão instrumentos aos dirigentes públicos para introduzirem racionalizações e poupanças permanentes no Estado».
Medidas, adverte, que vão encontrar resistência, mas Proença acha que «os portugueses têm [de] responder a uma questão: [se] querem mais medidas temporárias como os fundos de pensões que empurraram Portugal para a falência, ou medidas difíceis mas estruturais que permitem resolver o problema das contas públicas.»
Por outras palavras: o problema das contas públicas resolve-se, acha ele, desempregando alguns milhares de funcionários. Proença não explica como acontecerá esse milagre, pois salta à vista que tal medida terá como contrapartida imediata uma diminuição das receitas fiscais (os funcionários públicos pagam impostos, como todos nós – quer directos, a partir dos salários que auferem, quer indirectos, através do consumo), e o aumento proporcional das prestações sociais. Para além do que acontecerá às pessoas, claro, mas isso já se percebeu que importa pouco. Ao lindo estado a que chegámos, o governo responde com uma reforma do Estado – para que, mudando alguma coisa, tudo só não fique na mesma porque ficará com certeza muito pior.
O rapaz não explica como fará o governo para ultrapassar este novo buraco que a política demolidora em curso vai abrir, mas eu já sei: continuará a cortar todos os direitos e a delapidar todas as conquistas sociais dos portugueses, indiferente aos danos que possa causar e às vidas que possa destruir. A bem da «recuperação da economia» e da «redução do défice» e do «regresso aos mercados», os únicos objectivos que contam para estas criaturas sem alma nem coração nem nada.
E o pior, evidentemente, é que Portugal não sairá na falência e o problema das contas públicas continuará por resolver. Será aliás cada vez maior, ao ritmo a que o governo se liberta dos seus activos e faz crescer os passivos, que vão acumular-se e tornarão Portugal um país (ainda mais) dependente por várias gerações. Afinal, exactamente o mesmo problema – agravado – que Proença detectou no relatório do Tribunal de Contas: o recurso a «receitas extraordinárias [que] apenas servem para maquilhar os desequilíbrios orçamentais» porque os governantes continuam a pensar «apenas no curto prazo e em "salvar" a sua imagem política por mais uns meses».
Nada que espante. Afinal, os que agora prometem tirar-nos do buraco são exactamente os mesmos que lá nos meteram. As «medidas difíceis, mas estruturais» que têm de ser tomadas (e há muitas medidas para tomar, pois claro), são outras, e só seriam possíveis se o governo mudasse...
E como não muda, está visto que terá de ser mudado. Rapidamente, antes que o País se afogue.
(Viriato Teles, in Para consumo da causa | 9.Ago.2013)
Até breve