quinta-feira, 24 de março de 2022

Todos nós, portugueses, o merecemos!!!...



Ora então, finalmente, e depois de uma insólita e surpreendente repetição de eleições pelo círculo da Europa que, ironicamente ou talvez não, reforçou ainda mais a maioria absoluta do PS - são agora 220 os deputados socialistas! - eis-nos confrontados com a lista completa e supostamente hierarquizada do XXIII Governo Constitucional:

Primeiro-ministro - António Costa

Ministra da Presidência
Mariana Vieira da Silva;
Ministro dos Negócios Estrangeiros
João Gomes Cravinho;
Ministra da Defesa Nacional
Helena Carreiras;
Ministro da Administração Interna
José Luís Carneiro;
Ministra da Justiça
Catarina Sarmento e Castro;
Ministro das Finanças
Fernando Medina;
Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares
Ana Catarina Mendes;
Ministro da Economia e do Mar
António Costa Silva;
Ministro da Cultura
Pedro Adão e Silva;
Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Elvira Fortunato;
Ministro da Educação
João Costa;
Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
Ana Mendes Godinho;
Ministra da Saúde
Marta Temido;
Ministro do Ambiente e da Acção Climática
Duarte Cordeiro;
Ministro das Infra-estruturas e da Habitação
Pedro Nuno Santos;
Ministra da Coesão Territorial
Ana Abrunhosa;
Ministra da Agricultura e da Alimentação
Maria do Céu Antunes

Com o "saudoso" suporte da geringonça a carpir as agruras da auto-flagelação a que o seu lirismo conduziu, uma direita perdida nos insondáveis e tortuosos atalhos que eternamente teimará em encontrar sem sucesso e os vários populismos que por aí vemos a querer medrar, sofrendo quiçá a derradeira e inesperada devastação a que Putin os entendeu sujeitar, António Costa só não terá a legislatura com que sempre sonhou, se vier a cometer os mesmos erros que os líderes de todas as anteriores maiorias absolutas que o nosso povo entendeu conceder-lhes...

António Costa é um homem extremamente inteligente! Espero e desejo que não permita que a História se repita.

Todos nós, portugueses, o merecemos!!!...

Até breve

quarta-feira, 23 de março de 2022

Como acabará "Pedro, o Grande"?!...

 


As marionetas de Putin

«Hoje, caro leitor, cara leitora, quero apenas falar-vos de duas entrevistas que li nos últimos dias. São úteis para tentar entender melhor  a guerra de Putin e aqueles que, de forma mais ou menos descarada, o apoiaram e admiraram nas nossas democracias liberais. Não foram poucos. São entrevistas a dois intelectuais europeus notáveis, cujos nomes lhe são certamente familiares: o historiador francês Olivier Roy e o politólogo e historiador búlgaro Ivan Krastev. Tento apenas resumir algumas das suas ideias.

A Idade Média com bombas

“Ele está na época errada e não percebe. Putin é ao mesmo tempo um estratega do século XIX e um homem soviético, tem uma visão territorial do poder e uma visão cultural do império russo em torno da sua componente eslava e ortodoxa. Não compreendeu que o patriotismo ucraniano existe e que o sistema soviético, fundado numa federação de repúblicas socialistas acabou, paradoxalmente, por reforçar, na Ucrânia, na Geórgia e na Arménia, os nacionalismos republicanos”, explica Olivier Roy numa entrevista publicada no último número do L’Observateur, dedicado à guerra de Putin na Ucrânia. “Quer ser o novo Pedro, o Grande, e deixar o seu nome na História, aparecendo como aquele que restabeleceu o império russo – é esta a sua obsessão. A loucura está em fazer uma guerra do século XIX no século XXI”.

Talvez seja este desfasamento no tempo que faz com que, 28 dias desde o início da invasão, quase todos os seus objectivos tenham até agora fracassado. É verdade que à custa da resistência heróica dos ucranianos, liderados por um Presidente que, esse sim, é um herói do nosso século. Se a Ucrânia não existia, a resistência ucraniana não podia fazer parte dos seus cálculos. Mas este não foi o seu único engano. “Em duas semanas, Vladimir Putin – um homem que Trump descreveu recentemente como um ‘génio estratégico’ – conseguiu revitalizar a NATO, unificar um Ocidente que estava profundamente dividido, transformar um Presidente quase desconhecido num herói global, destruir a economia russa, consolidar o seu legado como um criminoso de guerra”, escreve Brian Klass, do University College de Londres, na revista The Atlantic.

Nada disto nos ajuda a tornar suportável o martírio de Mariupol. “Como na Idade Média, mas com bombas”, descreve a Economist, citando um habitante da cidade cercada. Nem sequer a prever quando e como terá fim. Ajuda-nos apenas a deitar por terra o que ainda resta dos argumentos daqueles que continuam desesperadamente – ou deliberadamente – a tentar encontrar uma justificação para a guerra bárbara e injustificável que Putin desencadeou contra a Ucrânia – seja ela no “complexo de cerco” do país mais extenso do mundo, no alargamento da NATO, nas intenções belicistas dos Estados Unidos ou na “humilhação” sofrida pela Rússia e imposta pelo Ocidente, depois da implosão da União Soviética. Ou daqueles que repetem acriticamente, como cães de fila do Kremlin, que o Governo de Kiev é uma extensão de forças neonazis que se movem na sombra e que merecem tudo aquilo que lhes está a acontecer. Já são raros, cada vez mais envergonhados, mas ainda os há, tentando semear a dúvida, que já não pode existir para qualquer ser humano que se considere normal.

Mas o que merece reflexão é o facto de tanta gente, nas democracias ocidentais, ter defendido o Presidente russo, a sua versão da história, o seu expansionismo agressivo e os seus métodos autocráticos. Foi preciso uma guerra no coração da Europa, que nos levou de volta à II Guerra Mundial, para que essa corrente política conta a democracia liberal começasse a retroceder. Também nesta frente de batalha, Putin consegue destruir quase toda a influência que tinha conquistado no coração das próprias democracias. A linha divisória entre a democracia liberal e os seus adversários transformou-se numa barreira intransponível. Não há zonas cinzentas. Também aqui, Putin prestou um enorme favor às forças políticas democráticas sobre as quais se construiu a Europa depois da guerra e depois da queda do Muro de Berlim.

A tentação iliberal

Voltando a Olivier Roy. “Tínhamos visto um deslizamento favorável à Rússia de Putin em segmentos significativos das opiniões públicas ocidentais: uma certa direita cristã, a maioria dos populistas e alguns meios profundamente conservadores. (…) Este deslizamento tem, naturalmente, um nome – a ‘ameaça islamista’. O 11 de Setembro exacerbou esta tendência, permitindo aos movimentos populistas desenvolverem-se a partir da rejeição do Islão”. Conhecemos demasiado bem esta história, aliás fundada no “confronto de civilizações” de Samuel Huntintgon, publicada em 1993, que alimentou os supremacistas brancos americanos, que infectou o Partido Republicano, que conquistou o apoio dos evangélicos, que deu força aos Orbán, aos Salvini, às Le Pen e a tantos outros, e que hoje caiu por terra fragorosamente na guerra de Putin contra um país-irmão igualmente de maioria eslava e ortodoxa. “Neste jogo [de civilizações], a Rússia aparecia, para toda esta franja ‘reaccionária’, como uma aliada, como uma muralha do Ocidente”. Como o último reduto dos valores cristãos tradicionais contra a sua “perversão” nas sociedades liberais.

Os populistas odeiam o lado liberal da democracia. Putin vê nos seus valores liberais o sinal da decadência irreversível do Ocidente. A guerra sem limites que desencadeou contra a Ucrânia não está a destruir apenas a vida e os haveres do seu povo. Está a destruir, argumento a argumento, esta corrente política europeia que teve uma vida fácil nos últimos anos. Talvez não até aos escombros. Ainda há em França quem continue disponível para votar em Eric Zemmour, que não renegou o seu deslumbramento pelo novo czar de Moscovo, embora agora tente disfarçá-lo. A sua popularidade está em queda. “Hoje, Putin tornou-se indefensável. Faz medo”, diz o historiador francês. “Sacrificou o soft power que tinha adquirido nos últimos vinte anos e que lhe permitiram ser um actor global, por uma visão puramente territorial do poder da Rússia.”

Hoje, sabemos com uma clareza meridiana, o que já sabíamos antes: que a única muralha contra esse deslizamento de que fala Roy é a democracia liberal com a sua crença profunda em que todas as pessoas nascem iguais em direitos.

Se quisermos continuar este esforço para entender Putin e a sua “ditadura personalizada”, que construiu ao longo de vinte anos de poder, isolado no seu castelo do Kremlin, tratando os seus próximos como vassalos, debitando os seus discursos “alternativos”, reprimindo o seu povo, vale a pena ler uma outra entrevista, publicada no último número da revista alemã Der Spiegel (na sua versão em inglês), a Ivan Krastev, cientista político búlgaro a trabalhar em Viena, cujas obras sobre a Europa são hoje uma referência. “Putin vive de analogias históricas e de metáforas”. É sobre o isolamento do Presidente russo, a forma como compreende a História da Rússia e como se tornou um prisioneiro da sua própria retórica.

“Putin tem uma missão a cumprir e evitar riscos deixou de ter importância para ele. Pode parecer demasiado psicologista, mas ele faz parte da última geração soviética. A sua função como agente do KGB era defender e proteger a União Soviética. Mas ele e os seus próximos falharam. A União Soviética colapsou de um dia para o outro, sem uma guerra, sem uma invasão. Putin e o KGB não compreenderam o que aconteceu. Apenas que fracassaram. Creio que tem um forte sentimento de culpa.” O facto de, em 1989, estar estacionado na Alemanha Oriental, mais precisamente em Dresden, tornou os acontecimentos que abalaram o mundo e puseram fim à Guerra Fria ainda mais difíceis de compreender. Não viveu por dentro o colapso da União Soviética. O que viveu “foi a euforia nacional na Alemanha quando caiu o muro, porque estava lá.”

Aqueles que fogem

Hoje, calcula-se que mais de 300 mil russos, quase todos quadros relativamente jovens que, mesmo rejeitando o regime, organizaram as suas vidas de forma a poderem continuar no seu país e desenvolver o seu trabalho, já abandonaram a Rússia nas últimas três semanas. A New Yorker ouviu alguns deles. São relatos impressionantes. Alguns saíram de carro pela fronteira finlandesa. Houve inúmeras reportagens sobre isso. Outros viram-se obrigados a tomar vários voos para poder chegar a uma qualquer cidade europeia onde acreditam poder reconstruir as suas vidas.

A Rússia está a perder uma geração que viveu quase toda a sua vida depois do fim da URSS com relativa liberdade. Pelo menos durante algum tempo. Que conhecia o mundo e que não consegue assistir à “estalinização” da Rússia. Para ser Pedro, o Grande, Putin tem de ser Estaline. Pode destruir a Ucrânia. Já destruiu a Rússia. É preciso travá-lo antes que prossiga a sua guerra de destruição.

No sábado passado, fui visitar o Museu do Holocausto de Houston com as minhas netas mais velhas. É um museu impressionante e exaustivo, onde é possível assistir também aos depoimentos dos judeus que fugiram a Hitler e que reconstruíram as suas vidas aqui. Não foi há tanto tempo assim. Na entrada, estão inscritas duas frases de Elie Wiesel. “É preciso escolher de que lado se está. A neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima”. E a segunda, um pouco mais à frente: “A indiferença é o pior de todos os pecados.”

Até terça-feira.»
(Teresa de Sousa, in Público, ontem)

Como acabará "Pedro, o Grande"?!...

Até breve

quinta-feira, 17 de março de 2022

Haverá alternativa?!...


Se há uma lição a tirar destes 21 dias de conflito, é que os ucranianos reforçaram o seu direito à independência pela forma como estão a enfrentar uma das mais poderosas máquinas de guerra do planeta.

«Ainda é demasiado cedo para se poder acreditar num processo de paz sério para acabar a guerra na Ucrânia. Mas após três semanas de pesadelo é um sinal de esperança constatar que os primeiros passos para lá chegar podem ter sido dados. Ao reconhecer que a impossibilidade de a Ucrânia integrar a NATO é “um facto que temos de aceitar”, o Presidente ucraniano, Volodimir Zelenskii, estava a “lançar pontes” para um entendimento com a Rússia. O reconhecimento por parte do ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, de que há um plano a ser “seriamente discutido” reforça essa possibilidade. »

Um preço demasiado elevado para o povo ucraniano. Mas...

Haverá alternativa?!...

Até breve

segunda-feira, 14 de março de 2022

O pior seria o resto!!!...


Guardiola fala bem mas o pior é o resto

«O boicote generalizado às equipas e atletas russos nas diversas modalidades encontra a sua maior excepção no ténis, logo uma das actividades desportivas mais mediáticas. Com Daniil Medvedev acabado de chegar a número 1 do ‘ranking’ ATP, a sua eventual ausência de Roland Garros e de Wimbledon constituiria um golpe tão rude no negócio, que aos responsáveis da Federação Internacional de Ténis (ITF) falta a coragem para tomar a decisão de o afastar.

Medvedev, aliás, não só nunca condenou a invasão da Ucrânia, o que prejudicaria os seus interesses na Rússia, como nem sequer esboçou um discreto ‘stop the war’, essa expressão conveniente e ambígua, que tanto significa que se deseja que o invasor pare com a agressão como que o invadido se renda. Para a ITF, basta que o tenista aceite a ‘censura’ à bandeira natal e fica tudo em harmonia.

Mas vou mais longe do que o politicamente correcto e manifesto a minha reserva quanto à aplicação cega das medidas de isolamento, em especial no que respeita à presença de protagonistas russos que, em boa verdade, se representam a si próprios, seja no campo desportivo, cultural ou outro. Parece-me absurdo que um profissional qualificado perca o seu trabalho só pelo facto de ter nascido russo. E à luz dessa lógica não se deveria aceitar como natural a participação de Medvedev nas competições? Apetece-me dizer que sim, apesar de saber que o seu afastamento dos torneios de Paris e de Londres teria um impacto tão forte que Putin merecia senti-lo.

Sim, Putin é o problema. E não vou entrar na retórica que o levou a optar pela guerra porque, resumindo a questão, o que se passa agora é isto: se ele resolver, imagine-se, bombardear a Polónia – alegando, por exemplo, que lá se acoitam paramilitares neonazis, como os do Batalhão de Azov – o resultado será a Terceira Guerra Mundial, que fará do conflito da Ucrânia uma sessão de treino.

Sim, eu sei que se pode concluir, pelo desastroso desempenho russo destes 18 dias, que o confronto com as forças da NATO acabaria com o regime de Moscovo. O que não terminaria tão cedo seriam os efeitos devastadores, económicos e sociais, de uma tragédia que aumentaria ainda se houvesse – e dificilmente não haveria – recurso a armas nucleares. E é isso que queremos? Que a loucura dos ‘corajosos’ destrua o Planeta?

E quando me refiro a ‘corajosos’ não estou apenas a pensar nos ‘senhores da guerra’. Conto também com a ‘coragem’ dos bem-postos na vida, que defendem princípios muito bonitos e que todos podemos partilhar. O pior é o resto. Perguntava Pep Guardiola: "Onde está a NATO? Onde estão os Estados Unidos? Onde está a União Europeia?" Ou dizia Jürgen Klopp: "Está na hora de demonstrar solidariedade, verdadeira solidariedade [com o povo ucraniano]". Ora, ter mais solidariedade do que tem havido é meter a NATO ao barulho e arrastar a Humanidade para o apocalipse. Estamos indefesos e nas mãos de um psicopata, à deriva num mundo de bem-falantes e doidos varridos...»

O meu reconhecido aplauso para Alexandre Pais. Valha-nos a sapiência dos mais velhos e a inteligência dos grandes líderes neste "mundo de bem-falantes e doidos varridos"...

Também não tenho dúvidas, sublinhando a traço bem carregado, o que nos diz Alexandre Pais, que face "ao desastroso desempenho russo destes 18 dias, o confronto com as forças da NATO acabaria com o regime de Moscovo", mas...

O pior seria o resto!!!...

Até breve

segunda-feira, 7 de março de 2022

Quanto valerá um putin?!...



Rublo desvaloriza 86% desde o início da invasão da Ucrânia
No passado dia 23 de Fevereiro, na véspera da invasão, um euro valia  quase 90 rublos. Ao final do dia de hoje eram precisos 165 rublos para comprar um euro.

Quanto valerá um putin?!...

Até breve

quarta-feira, 2 de março de 2022

Em todo o tempo é tempo!...



Porque é que Vladimir Putin já perdeu esta guerra
Os russos podem ainda conquistar a Ucrânia. Mas os ucranianos têm mostrado nos últimos dias que não os deixarão ficar com ela.

«Com menos de uma semana de guerra, parece cada vez mais provável que Vladimir Putin caminhe para uma derrota histórica. Pode ganhar todas as batalhas, mas mesmo assim perder a guerra. O sonho de Putin de reconstruir o império russo sempre se baseou na mentira de que a Ucrânia não é uma nação real, que os ucranianos não são um povo real e que os habitantes de Kiev, Kharkiv e Lviv anseiam pelo domínio de Moscovo. Isso é uma mentira completa — a Ucrânia é uma nação com mais de mil anos de história e Kiev já era uma grande metrópole quando Moscovo não era sequer uma aldeia. Mas o déspota russo já contou a sua mentira tantas vezes que aparentemente ele próprio acredita nisso.

Ao planear a sua invasão da Ucrânia, Putin pôde contar com muitos factos conhecidos. Ele sabia que militarmente a Rússia faz da Ucrânia uma anã. Ele sabia que a NATO não enviaria tropas para ajudar a Ucrânia. Ele sabia que a dependência europeia do petróleo e gás russos levaria a que países como a Alemanha hesitassem em impor sanções duras. Com base nestes factos conhecidos, o seu plano era atingir a Ucrânia com força e rapidez, decapitar o seu Governo, estabelecer um regime fantoche em Kiev e enfrentar as sanções ocidentais.

Mas havia um grande facto desconhecido sobre este plano. Como os americanos aprenderam no Iraque e os soviéticos aprenderam no Afeganistão, é muito mais fácil conquistar um país do que mantê-lo. Putin sabia que tinha o poder de conquistar a Ucrânia. Mas será que o povo ucraniano aceitaria simplesmente o regime fantoche de Moscovo? Putin apostou que sim. Afinal, como ele explicou repetidamente a qualquer pessoa disposta a ouvir, a Ucrânia não é uma nação real, e os ucranianos não são um povo real. Em 2014, o povo da Crimeia dificilmente resistiu aos invasores russos. Por que razão deveria 2022 ser diferente?

A cada dia que passa, torna-se mais claro que o jogo de Putin está a falhar. O povo ucraniano está a resisitir com toda a força, ganhando a admiração de todo o mundo — e ganhando a guerra. Muitos dias sombrios estão pela frente. Os russos ainda podem conquistar toda a Ucrânia. Mas, para vencer a guerra, os russos teriam de segurar a Ucrânia e só o podem fazer se o povo ucraniano o permitir. Parece cada vez mais improvável que isso aconteça.

Cada tanque russo destruído e cada soldado russo morto aumentam a coragem dos ucranianos para resistir. E cada ucraniano morto aprofunda o ódio dos ucranianos contra os invasores. O ódio é a mais feia das emoções. Mas, para as nações oprimidas, o ódio é um tesouro escondido. Enterrado no fundo do coração, pode alimentar a resistência durante gerações. Para restabelecer o império russo, Putin precisa de uma vitória relativamente sem derramamento de sangue que conduza a uma ocupação relativamente sem ódio. Ao derramar cada vez mais sangue ucraniano, Putin está a garantir que o seu sonho nunca será realizado. Não será o nome de Mikhail Gorbatchov que ficará escrito na certidão de óbito do império russo: será o de Putin. Gorbatchov deixou russos e ucranianos a sentirem-se como irmãos; Putin transformou-os em inimigos e assegurou que a nação ucraniana se definirá doravante em oposição à Rússia.

As nações são, em última análise, construídas sobre histórias. Cada dia que passa acrescenta mais histórias às que os ucranianos irão contar não só nos dias sombrios que se avizinham, mas também nas décadas e gerações vindouras. O Presidente que se recusou a fugir da capital, dizendo aos EUA que precisa de munições, não de boleia; os soldados da ilha de Zmiinii que disseram a um navio de guerra russo para "se ir foder"; os civis que tentaram parar os tanques russos, sentando-se no seu caminho. É deste material que as nações são construídas. A longo prazo, estas histórias contam mais do que tanques.

O déspota russo deveria saber isto tão bem como qualquer pessoa. Nos tempos de criança, cresceu com uma dieta de histórias sobre atrocidades alemãs e a coragem russa no cerco de Leninegrado. Está agora a produzir histórias semelhantes, mas escolhendo fazer o papel de Hitler.

As histórias da bravura ucraniana dão determinação não só aos ucranianos, mas a todo o mundo. Elas dão coragem aos governos das nações europeias, à Administração dos EUA e mesmo aos cidadãos oprimidos da Rússia. Se os ucranianos ousam parar um tanque com as suas próprias mãos, o Governo alemão pode ousar fornecer-lhes alguns mísseis antitanque, o Governo americano pode ousar banir a Rússia do SWIFT e os cidadãos russos podem ousar manifestar a sua rejeição a esta guerra sem sentido.

Todos podemos ser inspirados a ousar fazer algo, seja fazer uma doação, acolher refugiados ou ajudar com a luta online. A guerra na Ucrânia vai moldar o futuro do mundo inteiro. Se a tirania e a agressão forem autorizadas a vencer, todos sofreremos as consequências. Não há razão para continuarmos a ser apenas observadores. É tempo de nos erguermos e sermos tidos em conta.

Infelizmente, é provável que esta guerra seja duradoura. Assumindo formas diferentes, pode muito bem durar anos. Mas a questão mais importante já foi decidida. Os últimos dias provaram ao mundo inteiro que a Ucrânia é uma nação muito real, que os ucranianos são um povo muito real e que definitivamente não querem viver sob um novo império russo. A questão principal deixada em aberto é quanto tempo levará para que esta mensagem penetre nas paredes espessas do Kremlin.»

(Yuval Noah Harari, in Público em 2 de Março de 2022 às 13:07)

E a nossa aprendizagem continua...

Em todo o tempo é tempo!...

Até breve