Ontem encontrei na minha caixa de correio electrónico, uma mensagem do meu velho amigo Ramiro Ruas, alcobacense de gema e dilecto companheiro de jornadas académicas, militares e profissionais, que me orgulho de contar, desde então e até hoje, no meu restrito círculo de amizades incondicionais. Unem-nos princípios e valores que vão passando de moda, mas que a ambos nos fazem julgar decentes.
E a mensagem que me enviou, fala de decência e eu não fui capaz de conter a emoção com que a li. Primeiro, por esse meu amigo se ter lembrado de mim quando, embora já perdida no tempo, lhe chegou às mãos a dita mensagem e ma reenviou. Depois, porque tive em tempos o privilégio de corresponder, orgulhosamente, ao cumprimento de mão estendida com que o seu protagonista me honrou.
Alguns dias depois de ter sofrido um violento acidente de trabalho, com o braço direito ao peito, não quis deixar de corresponder ao convite amigo e amável de um primo da minha mulher, para estar presente na cerimónia e subsequente almoço do seu casamento. E, após a cerimónia oficial no Registo Civil do Seixal, numa quinta também da margem sul do Tejo e quando todos se preparavam para ocupar os seus lugares de convivas, eis que chegou, quase anonimamente, sem séquito e sem as habituais e constrangedoras mordomias de segurança, um ilustre convidado da noiva, que fez questão de cumprimentar um a um, todos os convidados. Chegado junto de mim, olhando para o meu braço direito engessado, perguntou se eu teria andado à pancada com alguèm, ao que respondi, embaraçado, que não senhor General, que havia sido em trabalho. De imediato, enquanto me dizia que eu mereceria um cumprimento especial, estendeu-me a sua mão esquerda e eu, confuso e sem palavras, correspondi. Esse ilustre e distinto convidado da noiva era o General António dos Santos Ramalho Eanes, que pouco tempo antes terminara o segundo e último mandato como Presidente da República Portuguesa.
Há factos, gestos, pormenores, que marcam a vida de cada um. O General, com a sua quase atroz simplicidade e modéstia, deixou em mim uma admiração que, volvidos quase 25 anos, permanece viva e os circunstancialismos da vida pública portuguesa, apuraram de forma quase mítica.
Quando a mensagem do meu querido amigo Ruas me chegou às "mãos", embora escrita e publicada pelo insigne jornalista e escritor Fernado Dacosta, homem de esquerda muito próximo de Agostinho da Silva e Natália Correia, de saudosa memória, há alguns anos atrás e que poderá ser apreciada em
"memóriarecenteeantiga", - blog que não conhecia mas que passou a figurar nos meus preferidos -, o filme foi rebobinado na minha memória, a admiração pelo General Ramalho Eanes saiu reforçada e a certeza de que terá - recusado que foi o bastão de Marechal -
preservado um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos - condição imprescindível ao futuro dos que persistem em ser decentes, é-me suficiente para erguer a minha cabeça e continuar a olhar de frente e com dignidade crítica, os atropelos a que o Presidente da República em exercício -
e outros, e... tantos outros!...-, enleado e enlameado na mais abjecta corja de corrupção de que haverá memória em solo luso, despudoradamente se sujeita.
Decência, é o que 99 em cada 100 políticos portugueses, "corajosamente", insiste em mostrar desconhecer!!!...
Até breve