Lembro-me de há muitos, muitos anos, era eu pouco mais que uma criança, assistir à proliferação de um slogan muito caro a quase todas as organizações e facções da esquerda revolucionária de então - marxistas, leninistas, maoistas, trotskistas, albanistas, etc. -, que simbolizava quase todos os seus inúmeros conceitos utópicos: que os ricos paguem a crise!...
Os anos passaram, os tempos mudaram, as crises sucederam-se, os ricos nunca pagaram crise nenhuma e assistimos à transformação de algumas dessas organizações da esquerda radical, num partido que, condensando um mínimo de ideário comum, prosseguiu, agora de forma mais aglutinadora, a perseguição de uma sociedade mais justa e solidária: o Bloco de Esquerda. Mas, entre as muitas reivindicações utópicas que transitaram dos ideários anteriores e foram sujeitas a um "aggiornamento" por imperativos estratégicos da nova organização partidária, algumas permaneceram absolutamente imutáveis, e continuaram bandeiras no novo partido. Entre essas, ficou o entendimento e o slogan de que deveriam ser sempre os ricos a pagar as crises.
As crises sucederam-se, variando apenas as origens e as amplitudes. Os pagadores continuaram sempre a ser os mesmos e os excluídos desse pagamento continuaram sempre a ser os mais ricos.
Até que em 2008, a minha geração - e naturalmente as que lhe são adjacentes - assistiu à instalação da maior crise de sempre. Na amplitude, na dimensão e na extensão temporal. A crise que já dura há mais de três anos, será porventura a mais terrível que alguma vez suportámos, o seu fim não se adivinha facilmente e as metásteses, partindo de um lugar inimaginável de riqueza e prosperidade, globalizaram de tal modo a sua progressão e acção, que nenhum país hoje estará a salvo. E o impensável aconteceu: os mais ricos de França deram o mote e o movimento tende a globalizar-se como a própria crise a que pretende pôr cobro.
Os homens mais poderosos e endinheirados de França, declararam-se dispostos a contribuir fortemente para a resolução rápida das dificuldades do seu país. E o governo francês, aplaudindo sensibilizado, fez-lhes generosamente a vontade, legislando nesse sentido. Em Espanha o movimento repetiu-se exactamente com os mesmos intérpretes e tudo aponta para que o governo espanhol imite o seu vizinho francês.
Neste jardim plantado quase à beira-mar, a cena parece também querer repetir-se. Com a honrosa (?) excepção do sr. Amorim da cortiça, trabalhador incansável e de parcos recursos como honestamente afirma, todos os homens mais ricos deste "cavaquistão" democrático e agora liberal - será neo-liberal?!... - já declararam a sua disponibilidade para "ajudar" e o governo, para não ser acusado de apressado - as cadelas apressadas párem cães cegos!... - informou as agências noticiosas de que para a semana que vem - vem aí tantas semanas que ninguèm sabe em qual será!... - tratará de incluir essa pequena ou grande questão na sua agenda. A muito contra gosto, naturalmente, mas aqueles safados dos franceses e agora os espalholitos, não lhe deixaram qualquer neo-liberal alternativa!...
O tempo, afinal, deu razão ao Bloco de Esquerda!... E de que maneira !!!...
Até breve