O escritor moçambicano, biólogo de formação, guia-nos num percurso por Maputo ao sabor da natureza, da história e das suas recordações dos tempos da luta na Frelimo...
Era uma causa que eu hoje olho à distância, politicamente já percebi que nos enganámos todos. Não por causa da intenção de fazer um mundo melhor, mas por causa da concretização. Tínhamos um olhar muito ingénuo. Felizmente o mundo é muito mais complexo e cheio de variáveis que nós não dominamos. A ideia de, numa geração, criar uma sociedade nova era algo muito bonito mas desastroso na concretização.
Entregámo-nos a uma coisa que era maior do que nós mesmos, era uma coisa generosa. Vejo, nos meus três filhos, que hoje é tudo tão diferente. Faltam-lhes as grandes narrativas, a política que fascina. Hoje a política foi apropriada por interesses tão mesquinhos e tão privados, tão conspurcada pelo oportunismo, que perdeu o brilho...
(Mia Couto, sobre o seu envolvimento juvenil com a Frelimo)
Fonte: Expresso – Abril 2013
Mão amiga e muito querida, fez-me chegar um excerto de uma reportagem/entrevista publicada no jornal Expresso, que não tive oportunidade de ler, com o escritor moçambicano Mia Couto.
E no remate final dessa excelente peça jornalística, a reflexão política de Mia Couto, provocou-me um arrepio que parece ainda percorrer o meu corpo, tantas horas passadas. Porque não é fácil para todo aquele que se entregou a uma causa maior que si próprio, uma coisa generosa que os anos depois comprovaram chamar-se utopia, reconhecer perante o mundo próximo ou remoto que nos envolve, que nos enganámos.
O arrepio que me varreu o corpo, a pedra de gelo que me baixou pelas costas, entre a camisola e a pele, as palavras de Mia Couto a martelarem-me no cérebro, tudo isso me trouxe à memória o meu percurso político, os tempos em que acreditei que era possível fazer um mundo melhor e o meu norte se situava nas palavras do testamento de Mário Sacramento: "... Façam um mundo melhor, ouviram. Não me obriguem a voltar cá outra vez"...".
Afinal, como Mia Couto, acabei por descobrir, já lá vão tantos anos, que o danado do horizonte que eu tanto desejei tocar com as mãos, sempre se afastou de mim um passo por cada passo que dei. Hoje sei, tal como ele, que o erro nunca esteve na nobre e generosa intenção de fazer um mundo melhor. O erro só existiu porque a concretização é irmã gémea desse maldito horizonte que sempre correu à nossa frente sem parar. Há quem lhe chame utopia?! Sim, eu sei! Os católicos também acreditam no céu, no paraíso, na vida eterna...
E a política foi apropriada por interesses tão mesquinhos e tão privados, tão conspurcada pelo oportunismo, que perdeu o brilho!...
Até breve
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