«A líder do CDS tem dois discursos: um discurso oral e um discurso mudo.
O caso dos contratos de associação é exemplar da duplicidade referida.
A conduta do governo é de tal forma irrepreensível que foi penoso repetir banalidades que se aprendem no primeiro ano de Direito.
Evidentemente, onde não há oferta pública devemos ter formas de parcerias com o sector privado. É o caso dos contratos de associação. Estes contratos, em face da CRP e da lei, têm como pressuposto – ou seriam inconstitucionais – a carência de oferta pública. Isso mesmo está refletido na lei. A liberdade de escolha entre ensino público e privado não se faz através de contratos de associação. Defender o contrário é defender um mergulho a fundo na ilegalidade.
Uma vez que Cristas, doutorada em Direito e essas coisas, sabe disto, opta pela desinformação, e ainda estou no discurso oral. Em primeiro lugar, num debate quinzenal, fala antecipando uma hecatombe – é a formula pequenita que inventou para se destacar do PSD.
Naturalmente, a PGR dá razão ao ministério da educação e, no debate quinzenal seguinte, volta a espetar o dedo em riste, mas calada sobre os contratos de associação, com a viola no saco e desviando a sua perdição para nova hecatombe anunciada: o governo está refém da extrema esquerda e não vai fazer nada quanto à greve dos estivadores, está prisioneiro dos sindicatos! O acordo foi feito e estamos à espera de novas anunciações. É certo que sabemos desta outra técnica que dura uma hora, já que qualquer dia António Costa diz que está bom tempo e Cristas responde-lhe, por defeito, que a afirmação deriva de o governo estar refém da extrema esquerda e dos sindicatos.
Mas qual é o discurso mudo quando Cristas depois de caladinha no debate quinzenal aproveita a onda cravo amarelo para tapar a verdade acerca dos contratos de associação?
O discurso mudo é o projeto de sociedade que vai na cabeça de Cristas. Os contratos de associação são um pretexto como outro qualquer.
O problema de Cristas não é a legalidade, porque Cristas sabe analisar a CRP e a lei. O problema de Cristas é a sua falta de educação para a laicidade, falta de educação de que se orgulha, mas que esconde porque a CRP lá insiste – coisa maçadora – que o Estado é laico. O problema de Cristas, portanto, é querer dar cabo da legalidade sem se dar por isso.
Na cabeça de Cristas, o CDS não se opõe apenas à primeira versão da CRP, mas a todas.
Na cabeça de Cristas, o Portugal perfeito seria o Portugal dos pequeninos, isto é, um país de perpétua reprodução de elites afastadas do temível mundo do povo que impediriam o caminho progressista de uma sociedade que vai de mãos dadas com a laicidade da mesma.
Para Cristas, não basta que a religião de cada um seja respeitada e que cada pessoa escolha matricular os seus filhos numa escola de cariz religioso. Não: Cristas quer o mesmo que o Cardeal Patriarca. A líder quer usar o falso slogan liberdade de escolhapara arregimentar com menos custos mais pessoas para a sua doutrinação abjeta de padronização comportamental de toda uma sociedade.
Para Cristas, não há paraíso na terra enquanto o Estado não fechar as escolas públicas e financiar exclusivamente as privadas, de maioria católica.
Para Cristas, não há paraíso na terra enquanto o Estado não fechar todo o setor público de saúde e dedicar o orçamento às misericórdias, aos lares, com prejuízo da igualdade, mas sobretudo sacrificando o fardo da laicidade.
Para Cristas, não há paraíso na terra enquanto o Estado não parar de insistir em dar apoio a crianças, jovens e idosos com dificuldades várias, quando há grupos financeiros privados e apadrinhados que cuidam do mundo, com uma só doutrinação, ainda que tantas vezes com falta de vagas.
Este é o discurso mudo de Cristas. Ninguém lhe nega o direito de ter as convicções que entender. O que é evidente, porém, é que o seu discurso mudo, a vingar, seria um golpe de estado. Porque a Constituição pode ser revista, mas tem limites materiais de revisão.
Se lhe tirar a laicidade, é golpe.»
(Isabel Moreira, in Geringonça, em 01/06/2016)
E o meu "nobel" da "literatura política" deste Verão quente de 2016, vai para...
Isabel Moreira, pela melhor defesa da escola pública!...
Até breve
Sem comentários:
Enviar um comentário