Está na ordem do dia a questão sacrossanta das fundações. A única coisa que ao longo de toda uma vida me ligou a fundações, foi a pesada picareta com que abri, com estas mãos que delicadamente agora vos escrevem, as da minha casa. Ou alicerces ou caboucos como soe dizer-se. Fora desses ciclópicos trabalhos que abriram caminho ao sonho, apenas as centenas e centenas dos livros da minha infância que me emprestava a Gulbenkian e hoje as centenas e centenas de euros que pago das propinas do meu filho à Fernando Pessoa.
As fundações da minha casa, obviamente que as percebi. Os cálculos de cargas e esforços que aprendi no Breiner, à volta de vigas e outros ferros, segredaram-me que as ditas teriam de ser bem fundas e largas se pretendesse não correr o risco de a casa um dia me cair em cima. A Fundação Calouste Gulbenkian, a quem devo uma grande parte da minha exígua cultura, também a compreendi, agradecido e reconhecido ao Homem que tivemos o privilégio e uma sorte sem medida de gostar de nós. A Fundação Ensino e Cultura Fernando Pessoa, há anos que me parece um qualquer atalho legal para encapotar um propósito ilegal. Podem contar-me histórias bonitas que eu prometo adormecer, pacificamente. O que não prometo é alguma vez compreender porque existe uma instituição para ensinar e outra para receber o custo desse ensino, quando os proprietários de ambas são os mesmos.
E é exactamente no mesmo saco desta terrível interrogação, que sempre coloquei a existência de tantas centenas e centenas de fundações: se a propriedade é comum, só podem constituir atalhos legais para encapotar propósitos ilegais. E quando o putativo proprietário é uma entidade que deve a sua existência ao voto popular, então. como grão de areia dessa desgraçada e vilipendiada argamassa anónima, todo esse imenso saco de interrogações se transforma repentina e miraculosamente em perplexidade, quase próxima da estupidez.
Já suspeitava, que por alguma razão, os próceres da descabelada proliferação "fundacional" deveriam ter uma intenção semelhante aos alentejanos, no tempo em que a sua terra era uma seara em movimento. Este artigo trouxe-me "ligeiras" indicações desta "nova seara" e dos seus "movimentos". De facto o trecho que seleccionei, é paradigmático:
"... Mas alguma dia tivemos País para que o administrador delegado da Casa da Música, Nuno Azevedo, receba 11.192 euros mensais?! Ou presidente da Fundação Cidade de Guimarães, João Bonifácio Serra, aufira 10.300 euros?! Ou presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, Alberto_Amaral, mame 9.985 euros?! Ou Miguel Lobo Antunes, receba, na Culturgest, 8.550 euros?!..".
Quando se cansarem os braços e as mãos das famigeradas auditorias aos salários dourados e outras mordomias, porventura ainda mais pesadas, de todo esse vastíssimo "edifício fundacional", que apenas pretendem atirar areia para os olhos da "estúpida argamassa" que coloca toda essa gente no poder, poderemos dormir descansados. Porque aparecerá, naturalmente, quem invente uma nova galinha de ovos dourados. De que jamais lhes tomaremos o peso, nem nunca saborearemos omeletas. Mas que pagaremos com língua de palmo!...
Até breve
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