sábado, 6 de fevereiro de 2016

Graças aos deuses, sou keynesiano!...


As Cassandras e o Dombrovski falharam. O OE passou

As Cassandras estão a ter um dia mau. Tinham previsto que era tiro e queda. O Orçamento do Estado 2016 chegava a Bruxelas e era de imediato recambiado, inaugurando assim uma prática que nunca se verificou até hoje, nem com os orçamentos gregos. A alimentar as esperanças estava o vice-presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro da Letónia, Valdis Dombrovski, o representante da linha dura europeia. António Costa viria de Berlim vergado a uma humilhante derrota e a preparar-se para pedir a demissão. E como Pedro Passos Coelho já disse que está preparado para ser de novo primeiro-ministro, tudo se encaixava às mil maravilhas. Tenho más notícias. O Orçamento passou. Vai aumentar o consumo de anti-depressivos.

Costa cedeu? Claro que cedeu. Não há nenhuma negociação em que as duas partes não cedam alguma coisa. Sim, porque a Comissão também cedeu. Dombrovski, que pelos vistos faz política na Europa através de tweets, teve de dizer que a proposta orçamental portuguesa tinha sido aprovada por unanimidade, vou repetir, por unanimidade, pela Comissão Europeia. Mas depois colocou dois tweets, um dizendo que a proposta orçamental está em risco de não cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, e outro onde acrescenta que as autoridades europeias convidam Portugal a dar os passos certos no sentido da proposta cumprir as regras orçamentais da União.

Não se percebe. Ou bem que a proposta foi aprovada por unanimidade ou bem que não foi. Se foi, não fazem sentido os reparos. Se os reparos fazem sentido, então a Comissão não deveria ter aprovado a proposta orçamental portuguesa, nem por maioria, quanto mais por unanimidade. Portanto, ou o sr. Dombrovski estravasa e toma os seus desejos pela realidade ou o sr. Dombrovski está certo e então não se percebe a decisão anunciada publicamente por Bruxelas.

Ora até prova em contrário o que conta é que o orçamento passou em Bruxelas. Foi aprovado por unanimidade, ponto final. E ao ser aprovado, António Costa conseguiu uma enorme vitória política e uma pequena vitória técnica. A enorme vitória política tem a ver com o facto de ter provado que afinal não havia só um caminho orçamental para responder a esta crise e para cumprir os objectivos de redução da dívida e do défice. Todos os que apostaram no falhanço deste caminho logo no primeiro embate vão ter de guardar as espadas e engolir o fel que lhes está a envenenar as almas. Quanto à pequena vitória técnica, ela tem a ver com o facto do orçamento ter sido aceite mas de o Governo ter tido necessidade de introduzir um conjunto de novas medidas ou de esquecer outras que fizera para ir de encontro às exigências de Bruxelas. Não é, pois, este orçamento aquele que o Governo queria. Mas como é óbvio isso não poderia acontecer porque, insisto, o resultado de uma negociação pressupõe cedências das duas partes. E foi o que aconteceu. Insisto também: o Governo cedeu, mas Bruxelas cedeu igualmente. Ninguém estava interessado no fracasso das negociações.

António Costa ganhou. Provou que há alternativa, mesmo que estreita. Bruxelas teve de aceitar isso mesmo. As Cassandras cá de casa e o Dombrovski estão a caminho da farmácia para comprar os anti-depressivos. É a vida.

E assim António Costa ganhou o primeiro embate com a Comissão Europeia. Não é pouca coisa, porque a sua orientação de política económica não agrada de todo aos eurocratas que se sentam no Edifício Berlaymont, na capital belga. E não é pouca coisa do ponto de vista político, porque internamente ganha a autoridade e o tempo de que precisava para consolidar a sua estratégia político-económica.

Sim, o orçamento tem riscos. Sim, o orçamento tem incoerências, depois de todos os enxertos que sofreu. Sim, pode ser necessário tomar medidas extra ao longo do ano para corrigir a tendência e cumprir o défice. Mas quantos orçamentos rectificativos elaborou o Governo PSD/CDS, em cima dos quatro orçamentos que apresentou? Pois teve de elaborar oito orçamentos rectificativos, dois em cada ano em que foi Governo. Vou frisar: em quatro anos e em cima de quatro orçamentos, o Governo PSD/CDS teve de apresentar oito orçamentos rectificativos. Para lá disto pôr em causa a famosa competência técnica de Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque, a pergunta é: e se Mário Centeno tiver de fazer um orçamento rectificativo? Ou mesmo dois? Haverá algum drama? Ou só há drama quando o governo é do PS e não há problema quando é do PSD/CDS?

Voltamos ao princípio. António Costa ganhou. Provou que há alternativa, mesmo que estreita. Bruxelas teve de aceitar isso mesmo. As Cassandras cá de casa e o Dombrovski estão a caminho da farmácia para comprar os anti-depressivos. É a vida.
(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 05/02/2016)

Há muitos e bons anos e desde que a universidade da vida em mim fez luz sobre a imperfeição e incapacidade humanas para "construir o homem novo", que me afastei do pensamento de Karl Marx e me aproximei de outra concepção económica de mundo, preconizada por John Maynard Keynes, que a definiu como "Estado de bem-estar social", que atribui aos governos dos países o direito e o dever de conceder benefícios sociais que garantam às populações um padrão mínimo de vida que as possa conduzir à felicidade como, entre muitas coisas e outras destas decorrentes, a criação do salário mínimo, do seguro social no desemprego, da redução da jornada de trabalho e de serviços nacionais de educação e saúde gratuitos e universais, enquanto perseguem, numa luta incessante e sem tréguas, o objectivo estruturante da sociedade: o pleno emprego.

A teoria keynesiana assenta essencialmente numa organização político-económica oposta às novas concepções liberais e seus sucedâneos neo e até ultraliberais, fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia, face à incapacidade de auto-regulação de qualquer sociedade, por via daquilo que designou pelo "espírito animal" intrínseco a qualquer corporação empresarial. 

Sem jamais defender a estatização da economia, Keynes defendeu a participação reguladora, activa e enérgica do Estado em todos os segmentos da economia e, em particular, naqueles que sendo necessários ao país, porventura não recolham a atenção e o interesse da inciativa privada.

Será exactamente sob este prisma que vejo a actuação do XXI Governo Cosntitucional, suportado por uma maioria parlamentar democraticamente eleita pelo povo português em 4 de Outubro de 2015.

E agora sou eu a voltar ao princípio e a dizer, parafraseando Nicolau Santos...

Graças aos deuses, sou keynesiano!...

Até breve

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