Em plena Assembleia da República, diz um deputado, que eventualmente representará um partido que se reclama dos trabalhadores, ao Primeiro Ministro: "... O senhor não sabe o que é a vida!...". E este responde com ar sério, pesaroso e compenetrado: "... Sim, senhor deputado, sei muito bem o que é a vida!...". E o debate prossegue. E os outros 249 deputados saem de hemiciclo convencidos de que sabem o que é a vida e cada um vai à sua. E o Primeiro Ministro também sai e entra depois num faustoso BMW, pela porta que, pressurosamente, um qualquer latagão bem parecido da sua segurança pessoal lhe abre, enquanto ensaia um genuflexão protocolar. O motorista, vinda a luz verde dada pelo sofisticado aparelho de segurança governamental, arranca a toda a brida. A agenda do PM estará muito ou demasiado sobrecarregada. Vai à sua vida também.
E um vulgar cidadão no meio do povo, assiste pela televisão, com um prato de sopa e mais qualquer coisita que a mulher inventou e colocou na mesa à frente dos dois, a este trocadilho de políticos e pensa que nenhum deles saberá o que é a vida.
O deputado, seja ou não seja representante dos trabalhadores, não sabe. E todos os seus companheiros de todas as bancadas parlamentares também não. E o PM saberá ainda menos e nesse não saber será acompanhado pelo latagão com boa imagem que lhe abre a porta, pelo corpo do aparelho que vela pela seguramça do chefe do governo e até pelo motorista que carrega no acelerador e o leva veloz para outros demagógicos discursos, talvez a rematar um bem confeccionado e regado almoço.
Toda esta gente não sabe o que é a vida. Porque tem o seu emprego, dorme todos os dias em lençóis lavados e tem café com leite e torradas todos os dias pela manhã. Não conta os trocos do porta-moedas em cada pagamento e usa e abusa de todos os inúmeros cartões de plástico que lhe deformam a carteira.
Aquele beirão que a fábrica de calçado despediu e se deita á noite e faz sexo com a sua mulher, com a aspereza do cobertor a incomodar-lhe as costas, porque os lençóis do enxoval que ela trouxe para o casamento aconchegam os três inocentes que dormem no quarto ao lado, esse sim, sabe o que é a vida. Sabe que o pequeno almoço que vai repartir com os filhos e mulher pela manhã, será invariavelmente um naco de broa, que ela coze no forno da vizinha uma vez por semana, acompanhado por uma água tingida de café de mistura, quase só cevada. Sabe que o almoço dos miúdos está garantido na escola para onde partem inocentes e saltitantes todos os dias. Ele e ela hão-de arranjar-se com qualquer coisa. E à noite, umas sardinhas e uns grelitos da horta, que o seu desemprego fez desabrochar, hão-de esconder dos filhos o drama da sua vida. E no fim de cada mês sabe que terá de pedir paciência ao merceeiro da terra. Até vir o subsídio... Esse beirão e a gente que no Minho lhe repete as cenas. E os homens e mulheres transmontanas, ribatejanas, alentejanas e algarvias que desesperadamente lhe copiam os passos. Esses sim, sabem o que é a vida!... Mas de que lhes vale esse saber ?!...
Uma multidão de deputados - 250, quando metade seria mais que suficiente!... - que continua a enxamear a AR e 308 municípios espalhados por este minúsculo país, são os fiéis intérpretes de interesses particulares que delapidam o património de todos, a que ainda se juntam 4,260 freguesias que lhes seguem as pisadas. Toda essa legião administrativa vai impedindo que aqueles que sabem o que é a vida, a possam desfrutar e viver com um mínimo de dignidade. Exactamente esse mínimo de dignidade que deputado e PM, hoje não evidenciaram na Assembleia da República !!!...
Até breve
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