sábado, 6 de julho de 2013

Poderá a dureza da realidade matar a utopia ?!...



 
 A ópera bufa a que, como crianças vivas mas ingénuas, sentadas à volta dos saudosos teatros de marionetes, assistimos nos últimos dias e bem assim o rato, que estará na iminência de sair das entranhas da montanha, não terão sido, obviamente, produto do meu espírito ficcionista. Apenas terei condimentado a realidade que nos é enfiada pelos olhos dentro, com algum do pouco humor que me vai restando, entrelaçado com a amargura, a decepção e a impotência com que me debato e, ao que parece, todos estaremos colectivamente condenados.
 
E donde resultará este meu estado de amargura, decepção e impotência em que me sinto envolvido?! Duma palavra apenas, aparentemente vaga e indefinida: irrelevância! Da irrelevância que resultará de uma personagem irrelevante da cena política portuguesa. Do "zero à esquerda" que Carlos Garcez Osório, como eu, constatou e aqui define de forma magistral.
 
Tantos e tantos anos da minha vida a beber da mesma fonte utópica que Sérgio Godinho sublimou em magistrais palavras,
 
"Enfim duma escolha faz-se um desafio; Enfrenta-se a vida de fio a pavio
Navega-se sem mar, sem vela ou navio; Bebe-se a coragem até dum copo vazio

E vem-nos à memória uma frase batida; Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida…",
 
para quê?! S e o primeiro dia do resto da nossa vida é uma quimera e não passa disso, mesmo que peçamos as asas à "gaivota que voava, voava"?! Se os sonhos, os valores e os princípios jazem perdidos na estrada esburacada que há quase quatro décadas trilhamos, no meio das pedras e escondidos sob o pó da... irrelevância?!...
 
Este meu episódico baixar de braços, não sendo de hoje, não deverá ser entendido como definitivo ou "irrevogável", como diria o outro. A esperança num futuro melhor, há-de sempre sobrepor-se em mim à amargura, decepção ou impotência circunstanciais. Mas que dói muito cá por dentro, colher e comungar o pensamento de almas gémeas da nossa,  como Daniel Oliveira, que aqui diz e eu recomendo a leitura integral,
 
 "... o sistema partidário está bloqueado. Está bloqueado pela incapacidade da esquerda encontrar, convergir numa verdadeira alternativa à austeridade (e não uma mera alternância na gestão da austeridade) capaz de chegar a um governo. E está bloqueado, e isso é bem mais relevante, por uma crescente desconfiança dos cidadãos em relação aos partidos, sejam eles de esquerda ou de direita. Ou seja, não existe nenhuma força política capaz de canalizar a revolta das pessoas em qualquer coisa de politicamente construtivo. De lhes dar esperança. Isso é dramático para a democracia e sabemos como, noutros momentos históricos, abriu espaço para soluções autoritárias.
 
Para que um novo partido nascesse e fosse útil ao País, eram necessárias três condições: que, pela sua origem e pelos seus protagonistas, conseguisse ganhar credibilidade e não se limitasse a ser um pouso para activistas e políticos órfãos de partido (onde, para que não sobrem dúvidas, me incluo), sem bases nem coerência política; que tivesse força suficiente para, através do susto que criasse, puxar o PS para fora da lógica da "austeridade boazinha" e o BE e o PCP para a assumpção de responsabilidades governativas, que exigem sempre cedências; e que conseguisse ter um funcionamento que respondesse a algumas das ansiedades e desconfianças dos cidadãos em relação aos partidos políticos...",
 
ai isso dói. Muito! Mais do que todas as "ópera bufas" e "irrelevâncias" com que possamos ser confrontados, hoje e porventura amanhã!...
 
Valha-nos a todos, a mim e aos que como eu acreditam num mundo melhor, o pensamento de Eduardo Galeano:  

"A Utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais o alcançarei. Então, para que serve a Utopia?!...
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar!..."

Até breve

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