quarta-feira, 16 de julho de 2014

Falar para nós e sobre nós !...



Os políticos gostam de ter o apoio da cultura. Sobretudo em campanha. Dá visibilidade e anima as hostes. Só que nem todos sabem falar para a cultura.

Passos Coelho não sabe. António José Seguro não sabe. António Costa, pelo contrário, sabe. E bem. É aliás um dos poucos políticos capaz de falar para a cultura e sobre a cultura.

Isso deve-se certamente ao facto de ter nascido e crescido no meio. O pai foi um reconhecido escritor, Orlando da Costa, a mãe, uma jornalista de referência, Maria Antónia Palla.

Mas não basta ter uns quantos amigos artistas quando se trata de pensar a política cultural de um país.

Como tanta outra coisa a cultura sofreu o choque tecnológico das últimas décadas. Assim como muita actividade empresarial e industrial se viu perante o dilema de cair no obsoletismo ou evoluir, também na cultura sucedeu o mesmo. A música, por exemplo, é um dos casos notórios. A partilha na internet, e depois nos dispositivos móveis, matou o negócio dos discos e foi preciso reinventar praticamente tudo. Apesar das tentativas retrógradas, nomeadamente com a criação de novas formas de censura em nome da pretensa defesa dos direitos de autor, o caminho da evolução é incontornável. Artes visuais, cinema, teatro e mesmo literatura, cada forma de expressão à sua maneira, têm vindo a sofrer profundas alterações. Desde logo na redefinição dos públicos e nos novos meios de divulgação. A internet tornou-se no grande veículo planetário de circulação cultural.

É por isso que pensar uma política cultural a nível governamental passa hoje menos pelo subsídio à produção, como pretende a direita para denegrir e muita esquerda para agradar, mas antes e sobretudo com a criação de condições de liberdade criativa.

Gostei por isso de ouvir António Costa dizer que não basta criar um Ministério da Cultura. É importante, pelo que simboliza e também pela componente orgânica, mas se for só para ter uma pessoa a andar de croquete em croquete pelo país tem pouco interesse. Porque a cultura não são exposições e peças de teatro, concertos e bailados. A cultura é aquilo que forma e informa uma sociedade livre e dinâmica. Uma política cultural é por isso acima de tudo um criar de condições, efectivas, para que a cultura se possa realizar livremente, com todas as suas idiossincrasias, diversidades e irreverências.

Gostei também da referência à íntima ligação entre cultura e conhecimento. A separação entre os mundos das artes e das ciências não faz sentido. Porque se as metodologias são muito distintas, a ciência é objectiva enquanto a cultura artística é subjectiva, são ambas formas de produção de conhecimento. Essa separação está aliás na origem do fracasso das políticas culturais de praticamente todos os governos. Nenhum plano tecnológico o é realmente sem ser também um plano cultural.

Até porque, ao contrário do que pensa a direita, e também muita esquerda diga-se de passagem, a cultura, entendida no sentido lato do termo, é o grande motor da produtividade no nosso tempo. Nada se pode fabricar e ainda menos vender ou fazer circular sem uma forte componente cultural. Seja, na dinâmica dos comportamentos individuais, seja no aparentemente simples desenho. Ninguém compra um telemóvel feio, por muitas funções que tenha. Em suma, não há economia sem cultura.

Daí que também tenha gostado de ouvir falar de conteúdos. Porque, mais do que exibições e representações, a cultura é agora por excelência uma máquina colectiva de produção de conteúdos. Aqueles que podem fazer a diferença num mundo globalizado.

Mas a parte do discurso de António Costa que mais me agradou foi o do entendimento da cultura como marca de uma civilização. No momento em que o modo de vida ocidental é atacado por fora e por dentro, por fora com a ascensão de extremismos e fanatismos que odeiam a liberdade, por dentro com o empobrecimento e a redução das sociedades a meros meios de reprodução financeira e mercantil, é importante manter a perspectiva das coisas. O Ocidente é, antes de tudo, uma cultura. A nossa. Livre, dinâmica, inovadora, e sempre, sempre apontada para um futuro melhor.
(Leonel Moura, in Jornal de Negócios)


A cada um apenas deveria ser permitido falar do que sabe. E seria tão fácil para o cidadão comum compreender a mensagem, fosse ela cultural, política...

Só que nem sempre encontramos quem nos saiba falar do que sabe. "Passos Coelho não sabe. António José Seguro não sabe. António Costa, pelo contrário, sabe. E bem. É aliás um dos poucos políticos capaz de falar"... para nós e sobre nós!...

Até breve 

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